top of page

Relato da minha primeira experiência com medicinas da floresta

  • Cartografias Subjetivas
  • 3 de jun.
  • 3 min de leitura

ree


Era noite, mas eu sabia que dentro de mim um novo dia estava prestes a nascer. A floresta me acolhia com o silêncio de quem conhece todas as dores. A Terra me recebia com olhos antigos.

Ali, deitada em um círculo sagrado, aceitei o chamado.


O gosto da medicina era amargo — como a verdade. O caminho que ela abriu foi fundo, até onde minha mente não ousava ir, mas onde minha alma já morava há muito tempo. Meu corpo se aquietava enquanto minha alma despertava. Logo senti meu corpo leve e ao mesmo tempo, tão presente - Como se eu estivesse saindo de mim para, finalmente, me habitar inteira.


E então, o medo.

Aquela presença escura que conheço tão bem, que aprendeu a se vestir de lembranças.

Mas naquele momento, algo mudou: ele não estava sozinho - meu pai veio também. No meio da escuridão, ele estava lá, não me tocava com mãos, mas com luz. Ele me dizia, com uma ternura que me rasgou em paz:


"Olha pro sol, filha."


E eu olhei.

Com os olhos fechados, vi o Sol dentro de mim — um farol que me chamava de volta pra casa.

Ali, entre lágrimas e batimentos acelerados, eu entendi:

meu pai ainda caminha comigo, me conduzindo à luz.


Eu não estava só. Nunca estive.


Vi minha alma pequena se lembrar que é imensa.

Vi as mãos invisíveis dos meus ancestrais me sustentando.


Naquele instante me vi em um lugar ainda mais fundo: Me vi caída no chão frio, numa caverna escura e sombria — um espaço que parecia externo, mas que eu logo entendi ser meu próprio interior. O frio era ancestral, como se minhas dores tivessem se acumulado em silêncio por gerações.


Fui lavada por lágrimas que não sabiam o caminho até então.

Senti meu coração pulsar como tambor antigo, ecoando vidas que vieram antes da minha.

Entendi que a dor que eu carregava não era só minha — era de um povo.


Foi então que ela chegou.

Uma velha indígena apareceu com semblante cansado, porém sorridente — seus olhos eram como a Terra molhada após a chuva.

Ela balançava um chocalho sobre mim, e sua voz cortava o frio como brasa viva:


**"Cura, filha. Você tá recebendo a cura.

A gente tá curando você. A gente tá protegendo você."**


E naquele instante, Galhos começaram a brotar nas paredes ao meu redor, e flores lilás — lindas, delicadas, fortes — começaram a nascer,

como se a própria vida tivesse decidido florescer em mim.


Meu coração disparou, não de medo, mas agora, de emoção. Eu era solo fértil.

Minhas mãos não paravam — se moviam no ritmo do som, como se dançassem com o chocalho, como se tecessem minha nova história.


Foi como se eu tivesse sido lançada— com amor — de uma catapulta espiritual.

Como se o universo dissesse:

"Você já passou pelas sombras. Agora, caminhe com a luz."


Eu era curada.

Eu era filha da floresta e herdeira de mulheres que rezaram por mim antes mesmo de eu nascer.

Ali, naquela caverna, encontrei a mim mesma renascendo.


Sai da caverna e me deparei com uma festa, onde haviam indígenas que dançavam e cantavam em volta de uma fogueira. Um deles pegou na minha mão e disse: bem vinda de volta filha, você pertence a este lugar. E naquele momento eu me senti em casa.


Voltei diferente.

Não melhor. Mais inteira.

Mais consciente do que sou:

Filha do Sol.

Guardada pela floresta.

Neta da Terra.

Mulher de palavra e cura.


Voltei com uma missão que não cabe mais no silêncio.


 
 
 

Comentários


  • Instagram - Black Circle
  • Facebook - Black Circle

©2020 por Cartografias da Subjetividade. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page