O fim da Shivá (19/03/1924-2021)
- Cartografias Subjetivas
- 30 de mar. de 2021
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Quanto mais nos distanciamos dos tempos do Holocausto e afiamos o olhar histórico que exige distância temporal, mais nos damos conta de que, na verdade, o Holocausto não deixou nenhum sobrevivente. Nenhum.
A super economia da morte, matando o maior número de pessoas, no menor espaço de tempo e pelo menor custo, foi ainda mais além, encarregando-se de transformar a morte num chip implantado naqueles que aparentemente conseguiram escapar heroicamente nos últimos estertores dos campos de concentração.
O Holocausto foi um programa de morte e, pior, de perpetuação da morte, também para os libertados pelas forças aliadas, que com orgulho e compaixão denominamos “sobreviventes”. As perdas, de massa física e psíquica, as almas devastadas e os humanos desumanizados, não sabiam, assim como nós da Segunda Geração do Holocausto não sabíamos, que eles já estavam mortos, tendo saído dos campos totalmente transformados pelo chip neles implantado.
Graças à garra incansável de meu Pai por liberar-se do chip da morte, foi que apreendi seu sofrimento e horror. Seu testemunho, abertamente difundido, tantas vezes narrado, dá a medida do quanto a vida dele após o campo e as nossas, enquanto gerações de desde o pós-guerra até aqui, ainda vivemos “vidas emprestadas”.
Meu Pai, sobretudo nas últimas duas décadas, através de suas palestras conseguiu superar e transformar sua “vida emprestada”, em oportunidade para pertencer a uma “geração de fortes”.
Sobreviver, ninguém sobreviveu ao Holocausto. Meu pai, no entanto, conseguiu através das suas narrativas e de sua incansável busca pelo destino de sua mãe, Hannah, desaparecida desde a guerra, e que teve seu destino elucidado apenas há três anos atrás pelo meu neto, em Auschwitz, quando fez a Marcha pela Vida, e quando pode dar, finalmente, a resposta à pergunta que meu Pai se fazia desde os 15 anos de idade.
Esta de agora, portanto, é a Segunda Morte do meu Pai.

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