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Quando os sapatos já não cabem mais

  • Cartografias Subjetivas
  • 31 de jul. de 2020
  • 2 min de leitura

Começou com um certo desconforto. Logo cedo, me vesti para ir trabalhar, olhei para os sapatos com certo desânimo e pensei: "já vou ter que usá-los novamente..."


Foi só sair de casa que senti o incômodo da sapatilha encostando no pele, raspando o calcanhar direito repetidamente. No início não me importava muito, imaginava que poderia ser a meia nova ou o modo de andar. Afinal, usava aquele calçado há mais de dois anos, porque agora ele incomodaria tanto?

Ao chegar no trabalho, subindo as escadas em direção à minha sala, o desconforto dava sinais que me acompanharia durante todo o dia, sem descanso.


Enquanto eu respondia a lista de e-mails sem fim, às vezes ficava com os pés descalços debaixo da mesa. Uma pequena rebeldia. Ninguém iria perceber. Porém não adiantava, ao levantar para buscar água ou um café, a dor voltava.


Não consegui simplesmente fingir que não sentia.

Os colegas diziam que a empresa mudou muito nas últimas semanas, e eu só pensava comigo mesma: "eu também".


Estive de férias durante um mês. Tempo necessário para refletir e reencontrar sonhos adormecidos. Viajei para lugares incríveis, passei um tempo sozinha, seguido da companhia de pessoas mais que especiais. Ao voltar, algo havia mudado dentro de mim. Você sabe que viagens têm esse poder, não é mesmo? Parece que nos levam de volta para nós mesmos.

No final do expediente, retornando para casa de metrô, finalmente me dei conta que aqueles sapatos estavam muito apertados, não serviam mais.


Ao refazer aquele caminho diário, talvez meus pés quisessem dizer alguma coisa. Notei os dedinhos do pé esquerdo e direito reclamarem ao mesmo tempo. Como se juntos fosse mais fácil expressar a dor que sentiam.


Chegando na portaria do prédio onde moro, não resisti: segurei os sapatos em minhas mãos, sentindo o cimento quente em cada passo. Logo depois, o piso frio do meu apartamento finalmente proporcionava a sensação de alívio…como é bom voltar pra casa!

Naquele dia senti muita falta dos chinelos, ou de não ter que me importar com qual calçado eu usaria no dia seguinte. O corpo não mente: sentir aquela dor latente me fez perceber que não era sobre os sapatos, e sim sobre os pés que seguiam aquele caminho.

Bastava continuar caminhando, mas em outra direção.


Thaís Gurgel


 
 
 

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