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Permito-te ficar mais um tempo no meu balanço

  • Cartografias Subjetivas
  • 19 de jun. de 2020
  • 2 min de leitura

Durante o caminho ao trabalho, avistei uma creche. De longe via as crianças brincando em um parquinho gramado, com um grande tanque de areia, algumas gangorras, um gira-gira e o meu brinquedo preferido até hoje: o balanço.


Lembrei da minha infância na pré escola, quando o brinquedo mais disputado era um balanço com apenas 2 lugares. Fazia fila. E parecia que sempre na minha vez a professora pedia pra sair logo, para outro amiguinho brincar. Era uma democracia. Mas também era um estraga-prazeres.


Porque eu precisava ficar tão pouco tempo no brinquedo que eu mais gostava?

Por qual motivo não havia mais balanços no parque, se ele era o mais queridinho da turma?

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Criada para ser educada e complacente, eu sempre cedia ao pedido da professora, mesmo que meu desejo mais profundo fosse permanecer ali o quanto quisesse.

Com o passar do tempo, percebi que algumas crianças fingiam não ouvir o pedido da professora, e continuavam a brincar sem pressa, felizes por aproveitar aquele momento especial.


Confesso que mesmo na minha inocência infantil, eu sentia raiva e certa inveja delas. Raiva por desobedecerem - cabe mais um senso de injustiça aqui - e inveja, porque no fundo eu queria ser como elas. Destemidas. Sem medo da desaprovação. Talvez eu tinha raiva de mim mesma, por não ousar reclamar e continuar agradando a professora ao invés de mim mesma.


Hoje eu penso: que mal podia haver em brincar no balanço mais um pouco? Atrasaria a aula de 1+1=2 ou a preparação da massinha de modelar? Porque não deixavam a gente brincar mais tempo? Ninguém tinha um balanço em casa, mas massinha de modelar, papel e caneta todos podiam dar um jeito!


Então eu sempre saía do balanço quando pediam, e nunca balancei o mais alto que conseguisse.

Nunca brinquei de voar do balanço pra ver quem chegava mais longe.

Nunca senti a sensação de quase dar a volta no balanço e cair.

Nunca corria riscos.


Dessa forma me mantinha no lugar seguro do que era conhecido e aprovado pela autoridade, inicialmente a professora do prézinho, depois os professores, inspetores, a escola, meus pais, minhas irmãs mais velhas... e de lá para a igreja, o governo, o trabalho e a sociedade foi só um "pulo".


Eu sempre acabava dando lugar ao "amiguinho" mesmo que minha voz interior dissesse que eu poderia ser feliz voando mais alto.


Na adolescência percebi que havia algo errado nesse comportamento - em quais outros momentos eu dava o lugar ao outro, e esquecia das minhas vontades? Foi quando comecei a escrever. Mesmo sem mostrar para ninguém meus escritos, era uma forma de protesto!


Chegou a vida adulta, e hoje em dia no caminho ao trabalho, ao ver um balanço, lembro desta história com a consciência e ferramentas para fazer diferente agora.


Se eu pudesse dar um conselho à menininha que fui, naquela fila para o brinquedo mais querido e aguardado do parque, eu me aproximaria dela e diria baixinho em seu ouvido: "permito-te ficar mais um tempo no meu balanço".


Já aconteceu com você?


Thaís Gurgel

 
 
 

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