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Parar pra pensar na vida

  • Cartografias Subjetivas
  • 22 de out. de 2020
  • 4 min de leitura

Ainda me surpreendo com os pensamentos que surgem em salas de exames. Deitada, estática, dentro da máquina de ressonância magnética, penso que diabos estou fazendo aqui com 32 anos de idade e até hoje não me dispus a fazer exercício físico? Minha herança genética já é um convite à academia: problema na coluna e desgaste nos joelhos.


Lembro que minha mãe não consegue mais dirigir, algo que ela tanto gostava. Já minha avó se tornou bem baixinha com o passar dos anos. Imagino que deve ser muito difícil perder o equilíbrio do corpo. O que nos faz pender somente para um lado gera desconforto e nos diminui: no caminho do meio é que a gente se encontra.


Quando meu pai me conta de suas dores ao caminhar nas ruas quentes do interior da cidade onde mora, penso em quantas ídas e vindas ele já deu na vida e em quantas já dei na minha. Qual foi a primeira vez que resistimos a seguir adiante? Em que momento permanecemos, quando devíamos continuar caminhando?


Sei que o exame vai demorar e tenho bastante tempo pra pensar na vida sem distrações - nada de conversas ou celular, aliás, nenhum tipo de metal é permitido aqui pois pode ser atraído pela máquina - deixo meus brincos e chaves no armário lá fora. Entretanto sinto algo estranho. Aperto a campainha que fica em minhas mãos e logo uma funcionária da clínica vem checar o que está acontecendo.


Sou claustrofóbica? Não, apesar de saber que até lugares grandes podem se tornar estreitos um dia, nunca tive medo disso. Aprendi a reconhecer e sair quando necessário, sem pavor.


O que me incomodou foi a sensação de que minha contenção dentária (aquela que se mantém depois de tirar o aparelho) estava sendo puxada pela máquina. Fui tranquilizada de que é normal isso acontecer, e fico sozinha novamente.


Minutos sem fim passam até eu me tranquilizar de verdade, dizendo para mim mesma que já estive nesse lugar outras vezes e que vai passar. Lembro do médico pedindo para eu manter um ritmo de respiração suave durante o exame a fim de não comprometer o resultado. Penso em meditar - que piada, não faço isso nem em casa, quem dirá dentro dessa máquina!


De repente olho para o teto e vejo estrelinhas - não é delírio, são pequenos pontos luminosos colados lá em cima mesmo. Certa vez perguntei à funcionária o que era aquilo, e ela me contou que as estrelinhas ajudavam a distrair e acalmar os pacientes.


Distrair...


Que ironia: não posso nem pensar na minha própria vida enquanto preciso ficar imóvel dentro de uma máquina? Até aqui o mundo quer distrair a gente da gente mesmo! Sinto que é raro parar e refletir sobre a própria vida, porém ao realizar um exame como este, é impossível fugir. A não ser que apareçam estrelinhas...


De qualquer forma elas me fizeram lembrar do céu mais estrelado que já vi, em São Francisco Xavier, uma cidadezinha no interior de São Paulo. Sou tele transportada para a noite na qual eu e meu marido chegamos, e a primeira coisa que vi quando desci do carro foi aquele tapete de estrelas no alto. Fiquei encantada!


A entrada da pousada era o maior breu, assim as luzes brilhantes atraíam nosso olhar para cima, nos desconectava com o céu cinzento da cidade grande e nos conectava com a nossa pequenez.

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Durante o dia, não havia muita coisa para fazer na cidade, mas tínhamos tudo que precisávamos. O café da manhã na pousada era preparado com carinho e cuidado em cada detalhe, alguns passarinhos vinham fazer festa nas árvores ali perto, e um gato aparecia no quintal. À tarde demos uma volta no centro, compramos geleia, tomamos café, e enquanto o sol se punha eu imaginava se a noite seria como a anterior, em nossa chegada.


O céu literalmente era a grande estrela daquele lugar. Eu poderia ficar horas admirando as estrelas, que mal consigo encontrar em meio a poluição da cidade onde vivo, tampouco no teto de uma sala médica com luzes artificiais.


Acredito que cidades pequenas nos lembram o quanto somos pequenos também, frente à beleza de pequenas coisas que por vezes não valorizamos, como um céu estrelado. Ao mesmo tempo, momentos como este podem revelar nossa grandeza e o que é essencial na nossa vida diária, não apenas a dos finais de semana.


O barulho da máquina me traz de volta ao momento presente (não é que as estrelinhas realmente funcionam?), tento saber quanto tempo falta para acabar - em vão, o cronômetro faz uma nova contagem a cada 2 ou 3 minutos. Volto a me perder - ou me encontrar - em pensamentos.


Lembro no livro que li recentemente, “Hábitos Atômicos” de James Clear, e reflito sobre os hábitos que quero criar, manter ou deixar. Segue uma lista em minha mente. Talvez este exame tenha servido para me lembrar disso também. De quais hábitos quero ter a partir de agora, que vão contribuir para formar a Thaís lá da frente.


O barulho cessa: finalmente o exame terminou. Estou livre da máquina e da imobilidade. Posso sair por aí. Deixo a sala, retiro minhas coisas no armário, e sento para tomar um café.


Penso no que vou fazer ao sair da clínica. Percebo que parar pra pensar na vida pode acontecer de novo uma outra hora. Ou melhor: vamos pensar também enquanto estivermos em movimento.


Thaís Gurgel


 
 
 

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