O Bom NÃO é inimigo do Ótimo.
- Cartografias Subjetivas
- 2 de out. de 2020
- 4 min de leitura
Se você ao ler o título estranhou, achando que tinha que ler de novo, pois algo soava errado, não se preocupe, você não está sozinho nessa; eu também sou da turma de “o bom é (SIM, CLARO!) inimigo do ótimo!” e vice-versa, "o ótimo é (SIM, CLARO!) inimigo do bom!”.
Tudo começou numa dessas vídeo-conferências tão comuns na pandemia: estávamos eu e duas amigas, Carol (a Best para os íntimos) e Maria (a Super, para os mais íntimos ainda) jogando conversa fora quando, de repente, uma delas, a Maria, soltou um "estou praticando a seguinte filosofia: o bom NÃO é inimigo do ótimo!". Levamos uns 5 segundos, Best e Eu, para sacar. Fêz-se uma pausa dramática em meio à chamada e, então, pedimos à Maria que confirmasse o dito.
E não é que ela, com a ousadia que lhe é inerente, repetiu, com a boca cheia de orgulho: “sim, sim, foi isso mesmo que eu disse, o bom NÃO É inimigo do ótimo! E este, é meu lema”.
Na hora caímos na gargalhada e, claro, passamos todo o resto do “encontro”, todinho, fazendo chacota da Maria pelo erro crasso (à lá velha surda), e pela petulância de, ainda por cima, querer nos convencer de que a versão dela é que era a correta e que, portanto, deveria ser pública e sabida.
Rimos. Fizemos piada. Desligamos.
Não sei bem porquê, passei os dias seguintes pensando muito sobre o “erro” de Maria.
Intrigava-me o (res)significado que ela atribuíra àquele jargão tão comum. Decidi investigar.
Analítica e racional que sou, iniciei pesquisando a origem histórica da expressão. Não encontrei nada científico, apenas uma frase de Voltaire, datada de uns 200 anos atrás.
A fala de Maria soava perturbadora, não só por testemunhar um relacionamento entre o Bom e o Ótimo, como também (e principalmente), por afirmar com veemência que a relação entre eles é de amizade, de “camaradagem”. Como assim, perguntei indignada???
Senti-me traída por nunca ter sido comunicada sobre o romance entre os dois! E mais, senti-me uma idiota: como eu nunca suspeitara desse relacionamento secreto?
Frustrada por não obter respostas, advogada que sou (por natureza, alma e profissão), não tive dúvidas e tomei as devidas providências: abertura de inquérito, JÁ! E lá fui eu, atrás de evidências e provas de que o suposto relacionamento, de fato, existia - e funcionava (!!!!!):

Providência 1: tomar o depoimento das testemunhas. Todas contaram a mesma versão. Nunca haviam presenciado a alegada relação de amizade entre o Bom e o Ótimo. Inclusive relataram diversas discussões entre os dois, semanas atrás.
Providência 2: busca de vestígios “in loco”. Textos do LinkedIn e vídeos do YouTube confirmavam a inimizade entre os dois suspeitos.
Providência 3: Reconstituição da cena do crime: reprodução simulada dos fatos, por diversas vezes e nos mais variados ângulos:
- O bom é inimigo do ótimo
- O ótimo é inimigo do bom
- Inimigo do bom é o ótimo
- Do ótimo inimigo bom é
- É ótimo inimigo do bom
A reconstituição reforçou todas as (minhas) suspeitas.
Ao fim de 30 dias de investigação, concluído o inquérito, foi encaminhado ao Ministério Público para oferecimento da denúncia: os suspeitos eram culpados.
O juiz do caso, um ancião sábio e experiente, entendeu que o princípio do contraditório deveria prevalecer e, portanto, determinou que a primeira audiência deveria ser de conciliação. Ouvir as versões dos réus/suspeitos era fundamental. Embora intimados, os suspeitos não compareceram.
Houve várias tentativas de condução coercitiva dos suspeitos, todas elas frustradas; nunca foram encontrados.
O tempo foi passando e, ao efetuar os cálculos, notei que o crime estava prestes a prescrever. Como boa cumpridora de regras que sou, decidi, então, arquivar o caso.
Passei dias alimentando minha raiva por Maria ter denunciado “o delito” e, agora, desaparecido, deixando-me sem pistas, e sem chão. Maria abalara minhas estruturas. Afinal, minha vida era toda ela construída (e bem sucedida), cimentada sobre o pilar: “o Bom é SIM inimigo do Ótimo”.
Não conseguindo me controlar, peguei o telefone, liguei para Maria. Ora, ela me DEVIA uma explicação. Não se pode levianamente brincar assim com os princípios e valores das pessoas. Ela não atendeu a ligação de primeira, nem de segunda, nem na décima vez. Teve a ousadia de me retornar no fim do dia, com uma mensagem de WhatsApp:
- Só vi suas ligações agora! Gente, o que houve? Alguém morreu? - disse Maria. Que cara-de-pau!
Eis que respondo:
-SIM! Meu ÓTIMO e meu BOM morreram! O Bom gritou com o Ótimo que, ofendidíssimo, deu um tapa na cara do Bom e disse que não precisava dele. Foi uma luta de MMA. Não houve sobreviventes. Os dois foram aniquilados".
E Maria, a iconoclasta, pergunta:
- EEEEEE?
-Ora, você me conhece, Maria, tive de intervir na batalha. Além de inimigos, agora eram dois mortais, dois gladiadores lutando entre si. Quem deveria sair vencedor? - respondi.
Como na minha fantasia de criança eu sempre quis ser juíza, achei que a encrenca exigia a convocação do Colegiado. Lá fomos nós para uma nova audiência. Sentamos os 3, o Bom, o Ótimo, e eu: ou negociamos, ou os 3 sairemos dessa parada totalmente aniquilados.
Depois de muita discussão, análise, planilhas e organogramas, decidimos um período de trégua: 24 horas. A única regra era cada um poder fazer o que quisesse, sem interferências, sugestões, ou qualquer revisão das outras partes.
Dessa trégua, nasceu este texto. Fim!
Créditos:
ok ok ok.... não culpo vocês. Sei que agora estão com raiva de mim por talvez não ter correspondido às expectativas e não ter levado o leitor àquele final arrebatador de parar quarteirão à la Quentin Tarantino. É que especialmente hoje, as 24 horas são de dominação do Bom e, como eu o amo, pois foi ele quem me trouxe até aqui, combinamos que ele poderia sair do armário e dar seu show para causar inveja ao Ótimo. O Ótimo, por sua vez, que não é bobo nem nada, já está fazendo a lista de filmes do Quentin Tarantino que ainda não teve tempo de assistir, a fim de analisar direito e fazer aqueeeelaaaaaa crítica. E a Paula aproveitou suas 24 horas de coadjuvante (ufa, que alívio, muito merecidas, diga-se de passagem) para se sentar na velha cadeira da varanda e escolher junto com o Felipe como gastar a pequena fortuna de R$ 300,00 que os dois ganharam da Etna.
Paula Alegretti
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