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Empatia e alteridade: eu não sou eu, nem sou o outro

  • Cartografias Subjetivas
  • 12 de nov. de 2020
  • 3 min de leitura

Empatia e alteridade são dois conceitos em voga por essas bandas, ultimamente. Andam de mãos juntas – ou calçando os mesmos sapatos, para lembrar da metáfora proposta pelo Museu da Empatia, que esteve em cartaz em São Paulo em 2017.

Nele, não havia quadros ou obras de arte, apenas calçados usados e histórias de pessoas desconhecidas que levavam o espectador a calçar, literalmente, os sapatos do outro – 25 pessoas desconhecidas e anônimas.

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“Polvo”, Adriana Varejão

Pensando na experiência proposta pelo Museu da Empatia e pela importância que o tema assume, é preciso fazer algumas distinções pontuais e pontuadas, aqui:

1) Empatia é irmã da simpatia, da apatia e da antipatia. São parecidas, mas não são a mesma coisa. Por isso faço questão de ilustrar esse texto com a série da artista Adriana Varejão, Polvo. Trata-se, nas palavras da artista, de “uma instalação com onze autorretratos semelhantes, pintados à maneira clássica, onde a pele muda de cor, indo da mais escura para a mais clara, passando por várias matizes”. São vários eus-outros.

2) Você já deve ter visto isso em algum lugar, mas pathos, para os gregos, é tudo aquilo que move a existência humana, como os sentimentos: amor, ódio, tristeza, ira, ou até mesmo as doenças (o patológico), o patético. Para o filósofo holandês Espinosa (do século 17), esses seriam os afetos, aquilo que nos afeta, positiva ou negativamente.

3) Simpatia traz a ideia de partilhar os sentimentos, lado a lado — pense em sin-cronia e sin-tonia, com o mesmo prefixo syn. Há a definição do filósofo inglês David Hume, do século 18, para o qual a simpatia existe porque as mentes de todos os homens são semelhantes em seus sentimentos e operações; logo, o movimento de um se comunica com o resto. Uma teoria dos vasos comunicantes, quase.

4) Empatia traz em si, então, a ideia de enfiar-se no sentimento alheio, não apenas compartilhando, mas metendo-se até as tampas nele. É quase como se, ao observar a experiência da outra pessoa, você experimentasse a reação dela em si. Empatia vem sempre acompanhada com alteridade porque se trata, segundo dizem, de “colocar-se no lugar do outro”.

Chego ao problema central: não existe, a priori, meios de “colocar-se no lugar do outro” como exige uma visão empática que é linguagem corrente. Para Heidegger, filósofo alemão do século 20, se de fato eu chegasse ao lugar do Outro como pressupõe uma certa visão empática, eu estaria anulando esse lugar e o ocupando, tornando este o meu lugar, não o lugar legítimo do Outro.

Seria quase como se eu fosse diante do Outro, por mais empático que eu possa ser, um alienígena — não há como saber como é estar no lugar dele, pois. Sempre serei eu e minhas vivências e experiências e olhares e eu eu eu. Daí o mais que apropriado lugar de fala dos dias atuais. Como um homem branco pode falar que sabe o que passa uma mulher negra? Não sabe. Não pode saber. Então não fala. Simples assim.

Emanuel Lévinas, filósofo francês, coloca a alteridade como o reconhecimento máximo do Outro, não pela ocupação de seu lugar, mas pelo reconhecimento: o Outro começa pelo seu Rosto. “O Eu (Moi) diante do Outro é infinitamente responsável”, diz Lévinas.

Parece uma digressão filosófica, mas é de uma sofisticação essa forma de ver o mundo; cada um é responsável diante do outro ser humano, porque sabe que não é questão de “e se fosse a minha vida?”, mas “é a vida da outra pessoa”.

Isso lembra a cada um que o mundo não pode ser medido e tecido apenas pelas próprias experiências. Não posso passar a vida ansiando invadir o lugar do outro e colonizá-lo com minhas perspectivas.


Como o poeta português Mário de Sá-Carneiro escreveu,


Eu não sou eu nem sou o outro,

Sou qualquer coisa de intermédio:

Pilar da ponte de tédio

Que vai de mim para o Outro.


Robinson Alves


 
 
 

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