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As noites do auto-desterro

  • Cartografias Subjetivas
  • 23 de jun. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 12 de ago. de 2020

Pois é. Durante quatro dias vivi o desterro em minha própria casa. Há quatro dias atrás, pela primeira vez no apartamento onde morei nos últimos 13 anos, deparei-me com uma barata que era, na minha subjetivíssima percepção, ENORME e, portanto, i-matável. Desde que moro com a Pitty, minha gatinha e querida room-mate, nunca vi barata nenhuma, nem sombra de. Claro, com a Pitty lá, não rola. Nunca rolou... até agora. Qual não foi meu assombro, na primeira noite em que vi a baratona fiquei assistindo a Pitty que, imóvel e fascinada, por sua vez assistia à barata que andava pra lá e pra cá, com todas aquelas patas e antenas longas e finas confundindo-se e se misturando. Aquela foi a noite primeira e e a primeira crise histérica. Até troquei o banheiro onde diariamente escovo os dentes e também onde faço meu primeiro pipi do dia, com medo de reencontrar a malfadada i-matável. E, desgraça, apesar de meus esforços, a cada uma das quatro noites até hoje, tive um encontro por noite com ela.

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Na segunda noite, ela estava no alto do batente da porta do banheiro do closet. Não a vi, talvez porque o batente fosse marrom escuro como ela ou talvez porque jamais imaginei que ela tivesse a ousadia de entrar no meu closet. Quando eu passava pelo batente, rumo ao meu último pipi do dia, ela se assustou e desceu correndo pela lateral do batente, de tal forma que justamente quando eu passava por baixo dele, ela corria bem na altura do meu ouvido, e então pude ouvir o seu farfalhar, e o som ficou gravado em mim, e fiquei a remoê-lo e a revivê-lo por horas a fio, em vez de dormir. Assim como suas patas entremescladas de antenas e sua antenas entremescladas de patas, também o seu farfalhar era absolutamente nojento e fazia-me mais uma noite, histérica.


Na terceira noite, eu já estava bem mais esperta e alinhada com a situação. Assim, quando entrei no banheiro para o novo último pipi, eu a vi, ali no chão do banheiro e até tive o tempo de me dar conta do meu imenso desejo de matá-la e cheguei a imaginar se eu teria por ali algum chinelo ou uma sandália grande o suficiente para trach, esmagá-la! Mas, ela também estava mais esperta, e ela também me viu e, claro, saiu correndo. De mim. Só que em vez de fugir de mim, como o espaço era apertado, ela fugiu de mim VINDO na minha direção, com tanta pressa que, ao passar por mim, seu corpo roçou no meu pé. Aiiii, que nojo!!! Sinto o nojo no meu pé até agora... o roçar e a crise histérica daquela noite, aconteceram juntos, juntinhos.


E hoje, nesta minha quarta noite, assumi ao telefone com a minha melhor amiga, a Sô, que agora somos três aqui em casa: a Pitty, a maldita barata i-matável e eu. E, enquanto eu falava, pela primeira vez, nesta quarta noite, a barata veio à minha procura. Desta vez, não a encontrei enquanto eu ia, sorrateira, ao banheiro. Não, a maldita, em plena crise de onipotência, viera atrás de mim, ela é a que me perseguia...Fiquei louca, humilhada e definitivamente perdi as estribeiras. Comecei a gritar enlouquecida de raiva e de indignação, ainda no telefone com a Sô. E, talvez por não estar só com a Pitty naquele momento que, aliás, novamente observava-a fascinada, impávida e colossal, num verdadeiro faniquito peguei um degrau de plástico inofensivo que fica na porta do meu quarto para fortalecer a panturrilha, atirei-o nela, que saiu correndo, chispando.


Caramba, eu perdera mais uma chance de matar a i-matável! E, do outro lado, ouvi a Sô aconselhando: "pega a vassoura e da próxima vez que você a vir, mata ela com a vassoura". Despedi da Sô, desliguei o telefone e fui pegar a vassoura pra ficar com ela sempre ao meu lado para a próxima oportunidade em que nos encontrássemos... e com a vassoura resolvi desvirar o degrau da panturrilha que, com a fúria do meu arremesso, estava caído de ponta cabeça, com as quatro patas para cima, jazendo no chão como uma verdadeira memória nojenta. E, ao desvirar o degrau com a vassoura, qual não foi o meu enorme espanto e verdadeiro pico de felicidade absoluta, ao encontrar a barata com apenas uma das antenas farfalhando, vivendo um de seus últimos estertores!


Mesmo sem saber, eu matara a barata, eu estava livre da condenação ao desterro, de volta à minha própria casa, ao meu próprio banheiro cotidiano e à minha própria vida. Ufa!


Annie Dymetman

 
 
 

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